Uma das personagens mais queridas, para mim, é a Irmã Aloysius Beauvier, a freira que Meryl representou no filme "Dúvida" e que, assim como Miranda Priestly, acabou ficando com fama de durona, de intransigente, de má, de autoritária, fria... de "dragão", como o Padre Flynn a ela se referiu. Na verdade, tudo que ela desejava era dar àqueles alunos, do colégio que dirigia, em pleno Bronx, uma oportunidade de vida melhor. Para tanto, precisava acrescentar uma orientação mais séria, firme, que complementasse as aulas diárias. Normalmente, em se tratando de um colégio católico, a educação é mesmo mais rigorosa. O que ocorre é que, em todos os colégios do mundo, a clientela é variada, no que diz respeito à bagagem educativa, aos valores familiares, aqueles que o aluno traz de casa. Esses alunos são problemáticos, dão mais trabalho, até que se possa direcioná-los, para um futuro mais digno.
Francamente, eu não acho que a Irmã merecesse qualquer um desses qualificativos que a acompanhavam. Na verdade, ela desempenhava um cargo muito importante e sério, de muita responsabilidade, e a ele se dedicava, com determinação. Ela era uma pessoa solitária: viúva e sem filhos, o colégio era sua vida, seus presente e futuro. Além disso, ela carregava um drama terrível, sofrido, secreto, trancado em seu silêncio, enclausurado em suas lembranças, em seu coração. Durante a discussão, com o Padre Flynn, ele perguntou se ela jamais cometera algum erro, em seu passado. E Meryl, conduzindo magistralmente aquele feroz embate, estancou. Seu olhar mudou completamente, demonstrando as rápidas e várias alterações emocionais acontecidas em seu íntimo. Porque Meryl sente tudo, todas as emoções de suas personagens! Aliás, o talento de Meryl é sempre o grande destaque, nesses momentos. Seus olhos, então, firmaram-se nos dele, entristecidos, doloridos, e ela respondeu que sim, que já havia errado: falava e, ao mesmo tempo, recordava-se do fato. A Irmã poderia, perfeitamente, ter mentido e dito que não, que nunca havia errado: ninguém poderia provar o contrário. Mas tanto ela era uma pessoa correta, digna, empossada da sua função que, mesmo diante do padre, a quem acusava, admitiu o erro do passado. E, pela intensa expressão, pela forte carga de dor, em sua fisionomia, Meryl mostrou a fraqueza, a impotência, a fragilidade daquela mulher.
Atuando com o seu incrível subtexto, Meryl embargou a voz, rasgou-lhe o coração, trouxe à tona toda aquela dor, difícil de controlar, expondo as fragilidade e desproteção da Irmã Aloysius, deixando claro o tanto que aquele erro a incomodava e consumia sua vida: ninguém podia defendê-la, sequer ajudá-la a tirar de dentro de si, toda aquela mágoa. Em pouquíssimos segundos, Meryl se sublimou.
O colégio era tudo o que lhe restava. Dedicava-se a ele, fazendo pelos alunos o que teria feito, pelos próprios filhos, que jamais teve. E, mesmo conseguindo afastar o padre, do colégio, no final, deixa-se atormentar pela dúvida, pela possibilidade de ter se equivocado, acusando-o, sem certeza e, talvez, acrescentando mais um erro, ao seu mórbido passado.
No final do filme, numa cena comovente, Meryl chora de uma forma linda, numa explosão de lágrimas, carregada de tristeza, de medo, de insegurança, devassando aquela infelicidade horrível, que habitava sua alma, machucando-a.
Meryl, naquela cena, com suas sensibilidade e empatia, transformou aquela freira, numa mulher, simplesmente, numa mulher. Ela libertou-a de suas tristezas, com aquele pranto convulso, descontrolado, que fazia seu corpo tremer... exorcizou-a de seu sofrimento... de suas negras lembranças... de seus dogmas... de sua cruz. Meryl é Paz.
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